O Ministério da Saúde considera que o crescimento de casos de IST’s entre adolescentes nos últimos anos se tornou alarmante

Por Ana Clara Sant’Anna

Em 2022, o Ministério da Saúde investiu R$ 200 milhões em ações de prevenção e controle de infecções sexualmente transmissíveis (IST’s) e hepatites virais. Apesar dos investimentos e das campanhas para combater a disseminação dessas infecções, o Ministério da Saúde identificou um grande crescimento nos últimos 10 anos. Dados apresentados, como o aumento de 168% de casos de HIV e 800% de sífilis entre um público mais jovem, entre os 15 e 29 anos, alarmaram instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). 

A causa para tal aumento é ativamente discutida entre especialistas. Em uma entrevista para o jornal Estado de Minas, Gerson Pereira, professor de medicina do Centro Universitário de Brasília (CEUB), indica que comportamentos de risco – como a falta de uso de preservativos e múltiplas parcerias sexuais – e a falta de educação sexual são dois dos vários fatores que resultaram neste crescimento. 

Lucas Carvalho, aluno de medicina da Universidade Federal Fluminense, afirma que a proliferação das redes sociais e das interações virtuais entre os jovens também possuem grande influência no aumento das estatísticas. “Com o advento das redes sociais e dos aplicativos de relacionamento, ficou muito mais fácil encontrar alguém para ter relações sexuais. Com a mescla desses e outros fatores temos tido níveis alarmantes tanto de IST ‘s quanto de gravidez precoce indesejada”.

De acordo com o Jornal da Universidade de São Paulo (USP), a melhora da efetividade do tratamento de HIV, a partir 1981, e uso de penicilina como antibiótico mais efetivo contra a bactéria da Sífilis, no início da década de 1940, criou uma falsa sensação de segurança entre as gerações seguintes. A falta de um lembrete constante da gravidade das IST’s resultou em uma menor preocupação ou medo de adquirir infecções sexualmente transmissíveis, consequentemente gerando uma redução no uso de preservativos.

E o que pode ser feito para diminuir essas estatísticas?

Segundo dados fornecidos pela organização Médicos  Sem Fronteiras (MSF), a principal forma de diminuir o número de infecções é a prevenção. A disseminação de informações corretas entre todos os públicos e não somente entre os jovens é a maneira mais eficiente de tornar as estáticas mais baixas entre grupos de diferentes idades. Campanhas de conscientização do uso de preservativos e de prevenção às IST’s são ferramentas eficientes para informar e conscientizar. 

No entanto, de acordo com o Departamento de HIV, Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DATHI), a última campanha em relação a IST’s sancionada pelo governo e não ligada ao período de Carnaval ou ao Dezembro Vermelho (campanha de mobilização na luta contra AIDS) aconteceu em 2021. “A gente vê mais em época de Carnaval ou em épocas de festa e grandes aglomerações, que é quando nós ouvimos mais sobre essas campanhas. Durante o ano corrente, eu acho que diminui. Apesar de ter ajudado muito com a diminuição do preconceito, ainda acho que fala-se pouco durante o resto do ano”, afirma Joyce Rodrigues, assistente social na Fundação Saúde de Niterói.                          

Campanha de Carnaval 2023 – Ministério da Saúde  

Apesar do vasto alcance das campanhas pela mídia, a maneira mais eficiente de se informar jovens que, em sua maioria, passam grande parte de seus dias na escola, seria por meio do investimento na educação sexual em instituições de ensino, tanto públicas quanto privadas, por todo país. Em uma matéria para o site oficial da Universidade Católica de Pernambuco (UCP), o pesquisador Alessandro Douglas define a educação sexual como uma “abordagem de questões relacionadas às doenças sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência e principalmente sobre a questão do íntimo, para que o indivíduo fique atento onde “titio” e “titia” podem tocar ou não.” 

Segundo o Ministério da Saúde, é indispensável o ensino do uso correto dos diferentes tipos de preservativos, tanto masculinos quanto femininos, em todas as relações sexuais, seja em atos orais, anais ou vaginais. Além disso, incentivar o diagnóstico precoce através da realização de Testes Rápido disponível em todas as Unidades de Saúde é também uma forma eficiente de evitar a proliferação das infecções.

À CNN, a médica da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Cecília Rotelli, afirma que a causa desse aumento expressivo é a falta do uso de preservativo. Explicitar os riscos de adquirir qualquer uma das infecções sexualmente transmissíveis e apresentar o processo de tratamento também se faz necessário para conscientizar um público tão jovem sobre a gravidade da situação. 

Uma estudante do segundo ano do ensino médio de um colégio público da região de Cabo Frio afirma acreditar que deveriam haver mais discussões sobre isso nas escolas com objetivo de lembrar dos perigos dessas doenças e de engravidar cedo. “Não deveria haver tanta vergonha de falar sobre isso, achar explícito demais, um tabu. Se o mundo está como está é porque não foi muito ensinado nas escolas desde da época dos nossos avós”, diz a estudante. 

O acesso à educação sexual no ensino público é uma ação de saúde essencial. Segundo o Ministério da Saúde , entre 2007 e junho de 2022, 102.869 jovens de 15 a 24 anos foram infectados pelo HIV e cerca de 380 mil jovens de até 19 anos anos deram à luz em 2020, o que corresponde a 14% de todos os nascimentos no Brasil. No período de 2010 a junho de 2019, foram notificados 650.258 casos de sífilis adquirida por diferentes idades no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

A estudante demonstra preocupação com os colegas de classe. Segundo ela, a maior parte dos ensinamentos não são levados a sério. “Eu já conheci, no ano passado quando estava no primeiro ano, duas garotas grávidas da minha sala. As duas tinham minha idade, uns quinze; dezesseis anos”. 

Além disso, ela lembra de casos de ISTs no próprio colégio. “Lembro de algumas meninas conversando e uma delas comentou que estava sentindo dores ‘naquela’ região, que estava avermelhado e com bolinhas e, quando foi ao ginecologista,  descobriu que tinha pegado uma IST, HIV, eu acho. Ela devia ter uns quinze anos também”.

Introdução às infecções e seus sintomas

Há diversos tipos de infecções sexualmente transmissíveis. Algumas se apresentam como vírus, bactérias ou outros microrganismos e podem ser transmitidas de diversas formas para além das relações sexuais sem preservativo. Na maior parte das vezes, os primeiros sintomas aparecem nas áreas genitais, mas podem surgir em outras áreas do corpo, como mãos, olhos, língua, etc. De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, são exemplos de IST’s:  herpes genital,  gonorreia, tricomoníase, infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV), hepatites virais B e C, entre outras.

No entanto, nos últimos anos, a Sífilis e o HIV (famosa AIDS) ganharam os holofotes ao se tornarem alarmantes devido a sua alta proliferação entre a população mais jovem. Segundo o canal da Fiocruz, cerca de 90% das mulheres e 74% dos homens que têm a doença não sentem nada, nenhum sintoma inicial. A falta de sintomas muitas vezes faz com que jovens não percebam que estão infectados. Sem saberem ou desconfiarem, permanecem tendo relações sexuais sem proteção, aumentando os indíces de proliferação.

SÍFILIS

Segundo o Ministério da Saúde, a sífilis é uma infecção curável e exclusiva do ser humano, causada pela bactéria Treponema Pallidum, e possui duas formas de transmissão: a sífilis adquirida, transmitida de uma pessoa para outra durante o sexo vaginal, anal ou oral sem o uso de preservativo, e a sífilis congênita, quando a gestante transmite a doença para o bebê durante a gravidez ou no parto.

Para além dessas duas formas de transmissão, a sífilis pode apresentar várias manifestações clínicas e diferentes estágios. De acordo com a Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, os sintomas se apresentam da seguinte maneira em relação a cada estágio:

  • Sífilis Primária: Ferida, geralmente única, no local de entrada da bactéria (pênis, vulva, vagina, colo uterino, ânus, boca, ou outros locais da pele), que aparece entre 10 a 90 dias após o contágio. Normalmente não dói, não coça, não arde e não tem pus, podendo estar acompanhada de ínguas (caroços) na virilha.
  • Sífilis Latente: Não aparecem sinais ou sintomas. É dividida em sífilis latente recente (menos de dois anos de infecção) e sífilis latente tardia (mais de dois anos de infecção). A duração é variável, podendo ser interrompida pelo surgimento de sinais e sintomas da forma secundária ou terciária.
  • Sífilis Secundária: Aparecem entre seis semanas e seis meses do aparecimento e cicatrização da ferida inicial. Pode ocorrer manchas no corpo, que geralmente não coçam, incluindo palmas das mãos e plantas dos pés. Essas lesões são ricas em bactérias. Pode ocorrer febre, mal-estar, dor de cabeça e ínguas pelo corpo. 
  • Sífilis Terciária: Pode surgir de dois a 40 anos depois do início da infecção. Costuma apresentar sinais e sintomas, principalmente lesões cutâneas, ósseas, cardiovasculares e neurológicas, podendo levar à morte ou a um estado demencial.

Os testes rápidos para sífilis, geralmente do tipo treponêmico (testes sorológicos projetados para detectar anticorpos específicos contra componentes celulares do Treponema pallidum no sangue do portador) utilizam uma pequena amostra de sangue, semelhante ao funcionamento de um teste de gravidez de farmácia. Um exemplo disso é o kit Sífilis Bio da marca Bioclin.

De acordo com o site da rede de hospitais D’OR, a grande vantagem desses testes é a praticidade: uma simples gota de sangue, normalmente retirada por punção digital (um pequeno furo na ponta do dedo é feito para uma coleta indolor), é suficiente para obter o resultado em poucos minutos, sem a necessidade de equipamentos de laboratório complexos.

No entanto, esses testes possuem algumas limitações. A janela imunológica, que pode variar de 2 a 6 semanas, pode levar a resultados falsos negativos em casos de infecção muito recente. Além disso, como são testes treponêmicos, eles permanecem positivos mesmo após o tratamento bem-sucedido, tornando difícil diferenciar entre uma infecção antiga e uma atual. Por isso, qualquer resultado positivo em um teste rápido deve ser confirmado com um exame VDRL.

HIV

O HIV é uma infecção tratável causada pelo vírus da imunodeficiência humana e que possui uma “versão” que pode atingir felinos. Segundo dados adquiridos pela MSF, o HIV/Aids matou mais de 40 milhões de pessoas, desde sua descoberta em 1981. Apenas em 2021, aproximadamente 650 mil pessoas morreram de causas relacionadas ao HIV, e 1,5 milhão adquiriram o vírus. Isso equivale a mais de 4 mil novos casos todos os dias. No final de 2021, estimava-se que cerca de 38,4 milhões de pessoas viviam com o HIV no mundo. Entre elas, 1,7 milhão são crianças com menos de 15 anos de idade. 

De acordo com a Pfizer, a AIDS é o resultado da reprodução do vírus HIV dentro do corpo. “Na AIDS, temos a infecção e destruição dos linfócitos T-CD4+, células do sistema imunológico, o que torna a pessoa muito suscetível a várias outras infecções e doenças que podem levar o paciente a óbito.” afirma o estudante Lucas Carvalho. O falecimento do indivíduo acontece não pelo vírus HIV em si, mas por infecções oportunistas e doenças como a pneumonia, a meningite, alguns tipos de câncer e a mais comum, tuberculose.

Em relação aos sintomas, conforme as informações do site da MSF, nas primeiras duas a seis semanas depois de serem infectadas podem apresentar sintomas similares aos de uma gripe, como: febre, mal-estar prolongado, gânglios inchados pelo corpo, manchas vermelhas na pele, dor de garganta e dores nas articulações. 

Algumas pessoas não apresentam nenhum sintoma por muitos anos enquanto o vírus, vagarosamente, se replica. Uma vez que os sintomas desaparecem, a pessoa que vive com o HIV pode não sentir mais nada por muito tempo. O período, conhecido como janela, varia de 2 a 15 anos.

O HIV pode ser transmitido de diferentes maneiras para além das relações sexuais, no entanto, há muitas formas que o vírus não se transmite (veja o quadro abaixo): 

Formas de transmissão do vírus HIV/ Fonte: Ministério sa Saúde

Como a sífilis, para diagnosticar o vírus do HIV utilizam-se exames de sangue, como sorologias, exames iniciais e confirmatórios. Com isso, é possível detectar ou descartar a presença do vírus no organismo, assim como os anticorpos desencadeados.

Para detectar infecções oportunistas relacionadas ao HIV, é necessário realizar procedimentos específicos que variam conforme o tipo de infecção. O teste rápido de HIV, feito a partir de uma gota de sangue retirada da ponta do dedo, é gratuito, sigiloso e fornece resultados em cerca de 30 minutos, sem a necessidade de solicitação médica.

Hugo Barreto – Metrópoles

Esse teste é confiável, com resultados comparáveis aos exames convencionais, e está disponível nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) para qualquer pessoa, especialmente aquelas que passaram por situações de risco, como sexo desprotegido. No entanto, é importante considerar a janela imunológica de até 30 dias após a infecção, pois um teste feito antes desse período pode resultar em um falso negativo, necessitando de repetição após esse intervalo.

Tratamento e Direitos Sociais

Seminário discute enfrentamento de HIV/Aids e outras ISTs. Fonte: Ricardo Puppe

O tratamento das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) no Brasil é garantido pelo SUS, que oferece gratuitamente todos os tratamentos necessários. 

Para o HIV, o tratamento padrão é a Terapia Antirretroviral (TARV), composta por três medicamentos que devem ser tomados diariamente para impedir a replicação do vírus. Segundo Lucas Carvalho, esse tratamento permite que os pacientes vivam vidas mais longas e saudáveis, sem que o sistema imunológico seja afetado rapidamente. Em relação à sífilis, Carvalho explica que o tratamento consiste em doses de penicilina benzatina, conhecida como benzetacil, administradas em intervalos regulares até que os testes laboratoriais confirmem a cura.

Apesar da disponibilidade desses tratamentos, a adesão por parte dos pacientes ainda enfrenta desafios. Joyce Rodrigues, assistente social na Fundação Saúde de Niterói, descreve as dificuldades de acompanhar o tratamento de portadores de IST.  “Há um desafio com relação ao tratamento. Às vezes a pessoa vai, toma a primeira dose e não consegue voltar para a segunda. As pessoas começam a melhorar e tendem a achar que não precisam mais da medicação, além da falta de uma educação formal; pessoas pouco instruídas acabam não conseguindo entender a importância do tratamento”.

Além do tratamento médico, Joyce Rodrigues esclarece que os pacientes com ISTs têm direito a diversos benefícios sociais que podem auxiliar durante o processo de enfrentamento da doença. No nível nacional, há programas como o Bolsa Família e, no nível municipal, as moedas sociais, moedas alternativas usadas em comunidades específicas para estimular a economia local e fortalecer a coesão social. Em casos de portadores de IST, fornece suporte financeiro, permitindo que acessem bens e serviços essenciais durante o tratamento, especialmente em comunidades locais, como por exemplo as moedas Araribóia e Mumbuca, em Niterói e Maricá, respectivamente.

Fonte: Instituto E-dinheiro de Niterói

Outro aspecto importante é a flexibilização no local de tratamento, que permite aos pacientes escolherem onde desejam ser atendidos, independentemente de sua região de origem. Isso ajuda a minimizar o estigma social associado às ISTs, possibilitando que os indivíduos busquem tratamento em locais onde não sejam conhecidos. “Se você mora em Niterói e quer se tratar no Rio, você pode. Você pode se tratar distante da sua casa, sem que ninguém que você conheça te veja entrando no ambulatório”, afirma Joyce Rodrigues.

O governo brasileiro também desempenha um papel importante na prevenção das ISTs, disponibilizando preservativos de forma gratuita em postos de saúde e realizando pesquisas contínuas para melhorar as políticas de saúde pública. No entanto, Rodrigues aponta que o aumento dos casos de ISTs não está relacionado à falta de acesso a métodos preventivos ou ao tratamento, mas sim à falta de educação formal e de uma abordagem mais assertiva nas escolas. Embora o governo ofereça suporte e facilite o acesso ao tratamento, a conscientização e a educação sobre as ISTs ainda são insuficientes, especialmente no ambiente escolar.

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