Bairro do subúrbio carioca resiste como importante reduto cultural
Por Eduarda Suzano
Segundo site da prefeitura do Rio de Janeiro (https://prefeitura.rio/), das 35 estruturas culturais sob a responsabilidade do município – entre teatros, lonas, arenas e areninhas culturais -, 22 estão concentradas nas zonas centrais e sul, enquanto as outras 13 estão espalhadas por toda Zona Norte. Renegados a sua própria cidade, os moradores desses territórios mais afastados do centro procuraram suprir a falta de opções, inventando seus próprios espaços de cultura. Foi assim com a criação de blocos carnavalescos, que mais tarde seriam transformados nas escolas de samba que conhecemos hoje, como também na ocupação de espaços marginalizados, como praças e viadutos. E nesse ambiente de efervescência, Madureira é destaque.
No último final de semana, o bairro voltou a ficar sob os holofotes, com a realização da “Fliportela” – uma feira literária dentro da quadra da escola de samba. Situada no “coração” do subúrbio, entre Oswaldo Cruz e Madureira, a Portela é um agente concentrador de cultura de uma região que geralmente chega ao noticiário a partir da ausência. Rogério Rodrigues, diretor cultural da agremiação, conta que a ideia de uma feira literária nasceu de uma roda de samba e da vontade de oferecer uma experiência cultural à comunidade.
“A gente começou a chamar autores, fazer lançamentos de livros, realizar exposições no centro de memórias, agregamos o Cine Samba Candeia – que é um outro projeto nosso – e aí só faltava vender livros! Então, pensamos, porque não uma feira de livro dentro desse ambiente de festa que a gente promove?”
Mas além da venda de livros, o evento traz debates, apresentações e gastronomia. “A ideia de oferecer a comunidade, ao povo em geral, uma experiência cultural, com acesso à leitura, ao livro. Há leitura de todas as formas de texto, orais , escritos, artísticos, corporais, gastronômicos, coreográficos, musicais. A gente quer oferecer um espaço de reflexão, mas também de troca”.
O tema da Fliportela esse ano foi “Territórios” e dialogou com a importância dessa região para a resistência cultural do subúrbio: “Nós temos um projeto que foi reconhecido como área especial de interesse cultural, em 2021, que se chama perímetro cultural de Oswaldo Cruz, assinado pelo então prefeito. Esse tema veio para dar protagonismo ao território berço da Portela, mas chamando para conversar outros territórios”, declara o diretor.
Ele confessa que esse ano o evento acabou acontecendo mais tarde no calendário e que isso gerou uma exigência na comunidade. Rogério destaca que a ideia de trazer a literatura para dentro da escola de samba rompe com as distinções tradicionais entre cultura popular e erudita.
“Há uma ideia elitista sobre o que é cultura. O grêmio recreativo funciona 365 dias no ano e a escola é produtora de cultura, outra matriz de cultura, que precisa ter visibilidade, precisa ter reconhecimento. Não interessa se é cultura erudita ou cultura popular, a gente quer permitir esse trânsito”.
Além da Fliportela, realizada na quadra do G.R.E.S Portela, o bairro ainda possui outros espaços onde a comunidade promove eventos culturais dos mais variados tipos. Seja de dia ou de noite, as opções vão desde o Jongo da Serrinha até ao fascínio do Baile Charme do Viaduto de Madureira. Confira a lista que selecionamos para você e divirta-se conhecendo Madureira!
Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela
Consequência direta dessa conjuntura, a Portela surge em 1923. Ainda não era escola de samba, tão pouco era chamada assim. O bloco carnavalesco “Conjunto Carnavalesco de Oswaldo Cruz” fundado pelos líderes Paulo Benjamin de Oliveira (Paulo da Portela), Antônio Rufino e Antônio Caetano mudou de nome algumas vezes até chegar no atual. Já o samba chega nessa área através da população negra que morava na região do Estácio e do Morro de São Carlos, na zona central do Rio, e que por lá estavam desenvolvendo tal ritmo. Mais uma vez, podemos perceber que esse movimento foi essencial para a construção desse território. Passados 100 anos, a Portela cresceu e tornou-se reduto cultural essencial para a região. De bloco carnavalesco, as escolas de samba tornaram-se potências culturais. É um espaço que mistura música, instrumentalidade, danças, saberes populares, gastronomia, ensinamentos e tantas outras coisas.
Você pode acompanhar os eventos realizados pela agremiação através do instagram @portela e também do @portelacultural .
Rua Clara Nunes, 81 – Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.
Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano e o Jongo
O Império Serrano segue a mesma lógica da Portela. Nascida no Morro da Serrinha, em Madureira, em 1947, também é oriunda de um bloco carnavalesco, o “Prazer da Serrinha”. O descontentamento com a liderança do bloco fez com que figuras como Silas de Oliveira e Mano Décio fundassem o Império Serrano. A escola é sediada no coração de Madureira: a Avenida Ministro Edgard Romero, 114, ao lado da estação de trem Mercadão de Madureira. Além disso, sua história é interligada à história do Jongo.
O jongo é uma prática que mistura a musicalidade, através dos tambores e das cantigas, e a dança. Foi trazido para o Brasil pela população negra escravizada vinda da Angola e do Congo. Aqui, nas lavouras de cana-de-açúcar e café tiveram seus costumes reprimidos. A prática do jongo era permitida em dias de comemoração de santos católicos, por exemplo. Mesmo perdendo força, essa cultura resistiu e, com a abolição da escravidão em 1888, chegou a novos territórios, como o Morro da Serrinha, onde é praticado até os dias atuais. O jongo foi tombado pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – como Bem Imaterial do Estado do Rio. A fim de preservar essa manifestação cultural brasileira de origem africana, Serrinha abriga a Casa do Jongo, que conta com salas de dança, artes e auditório.
Saiba mais sobre o Império Serrano em @imperioserrano no Instagram e acesse o site da Casa do Jongo https://jongodaserrinha.org/ .
Baile Charme do Viaduto de Madureira
Patrimônio cultural imaterial do Estado do Rio de Janeiro desde 2019, aqui temos mais uma potência artística social: o charme. É debaixo do Viaduto Negrão de Lima, espaço que antes era ocioso, que aos sábados ocorre o Baile Charme. Desde 1990, o lugar tornou-se reduto da musicalidade negra com ritmos que vão do Hip Hop, ao R&B e Jazz e que agitam a pista de dança que atrai pessoas de todo o Rio, além de turistas.
Parque Madureira Mestre Monarco
O parque, inaugurado em 2012, é resultado de uma antiga reivindicação da comunidade: a carência de políticas públicas que abarquem o lazer da população. Assim, o parque oferece opções que vão desde quadras de basquete, futebol e vôlei, como pistas de skates, riachos, brinquedos e parquinhos para as crianças e quiosques. É o terceiro maior parque da cidade, ficando atrás do Parque do Flamengo e da Quinta da Boa Vista e corta os bairros de Madureira, Honório Gurgel, Rocha Miranda e Guadalupe.
Além disso, a Arena Carioca Fernando Torres está sediada no parque. Lá são realizados espetáculos de teatro, shows, atividades circenses, dança, música, poesia, saraus e diversas oficinas culturais.
A programação pode ser acompanhada através do instagram da arena:
@arenafernandotorres ou através do site https://riocultura.eleventickets.com/#!/evento/0d63cee04ef2752064a493371ffe90509b989ad3?fbclid=PAZXh0bgNhZW0CMTEAAabajzlvLkwrO5xjZJ7m40rCVKI1iQOhQiZi2587HO68DFLz5h1X0rSXTuw_aem_TG2usZggFnvcy9y-7kXE7Q.
Feira das Yabás
Mostrando que a Zona Norte é rica em suas manifestações, aqui temos outro patrimônio cultural e imaterial do Rio. Criada pelo cantor e compositor que adotou com orgulho a sua raiz suburbana e que percebeu a lacuna deixada pela falta de incentivo na região, Marquinhos Oswaldo Cruz, a Feira das Yabás é uma forma de preservar as heranças ancestrais da população que ocupou a região. A feira celebra a cultura afro-brasileira, misturando manifestações musicais e gastronômicas. Além disso, fomenta não só a cultura na região, como também a economia. Isso porque as barracas com quitutes são preenchidas pelas famílias locais.
A Feira das Yabás ocorre geralmente no segundo domingo do mês e vale a pena conferir a programação através do instagram @feiradasyabas.
Origem do bairro
Originalmente rural, foi batizado em homenagem ao antigo proprietário da Fazenda Campinho, o boiadeiro Lourenço Madureira. Comprovando que sua história é intrinsecamente ligada ao trem, é ele uma das principais razões pela expansão do bairro. Em 1858, a ainda Estrada de Ferro Dom Pedro II, hoje em dia Central do Brasil, instalou a Estação Cascadura, que cortava a região e serviu como atrativo para novos moradores. Mesmo assim, foi apenas em 1890 que a Estação Madureira foi inaugurada e, então, os contornos do bairro foram crescendo. Enfim, o nome do longevo boiadeiro se consolidou. A vocação para o comércio também é data dessa época. A região se destacava com um mercado no setor hortifrutigranjeiro , pois nas proximidades ainda existiam diversas plantações. Passadas algumas localidades e estruturas diferentes, em 1959, o governo federal da época transferiu o mercado para o endereço que hoje é o Mercadão de Madureira, na Avenida Edgar Romero. Conforme o tempo foi passando, as mercadorias também variaram e hoje não só o Mercadão, como também o bairro, são referências para o comércio carioca. Madureira ainda abriga diversos shoppings, como o próprio Madureira Shopping, o Shopping São Luiz, que é conhecido popularmente como Shopping dos Peixinhos, e galerias comerciais como o famoso Centro Comercial Polo 1.
Entre os vários motivos para o crescimento do subúrbio carioca, um deles se sobressai: a Reforma Pereira Passos, conhecida como “Bota-abaixo”. A cidade do Rio, então capital do Brasil, sofria com a falta de planejamento, saneamento básico e epidemias de doenças eram comuns à época. Assim, a fim de realizar uma revitalização, o presidente Rodrigues Alves nomeou o engenheiro Pereira Passos prefeito do Rio de Janeiro. Ele colocou em prática uma série de obras. Abriu novas ruas, como a atual Avenida Rio Branco e alargou outras, como a Rua Uruguaiana. Para isso, demoliu casas e cortiços que ali existiam e expulsou a população pobre de suas moradias. Daí, nascem as favelas. O Morro da Providência foi a primeira delas. O subúrbio cresce também. Eram bairros mais distantes, desprovidos de planejamento e saneamento básico que se expandiram às margens da linha do trem. Como a maioria dos postos de trabalho permaneceram nas áreas centrais, a solução para aqueles que vieram para o subúrbio foi conservar-se próximo ao transporte. É a história de Cascadura, Madureira, Oswaldo Cruz, Bento Ribeiro…