Por Dayanne Soares
Nos anos 1980, um movimento chegou ao Brasil, ganhando notoriedade através da juventude negra, que, desde muito cedo, vive à margem. Esse movimento, produzido como um mecanismo de fuga da criminalidade e violência que assolavam as periferias, tem até hoje um papel social importante.
O documentário “Movimento Hip Hop: Londrina, 2024” vai investigar essa trajetória, revelando como a cultura hip hop, que surgiu nas comunidades afro-americanas de Nova York na década de 70 e se manifestou principalmente através do rap, reflete e amplifica questões sociais como o racismo, a desigualdade econômica e a criminalização da juventude negra.
“Se um dia o rap salvou sua vida, acredita, acredita”
O rap, um dos cinco pilares fundamentais do movimento hip hop, é muitas vezes associado a estereótipos negativos, o que leva à criminalização de seus seguidores, especialmente a juventude. Em 25 de maio de 2023, a Polícia Militar abordou de forma truculenta pessoas que chegavam à Batalha da Praça, batalha de rima realizada às quintas-feiras, em Londrina.
“Rap salva minha vida todos os dias”, disse Patrick Soares, de 20 anos, morador da comunidade do Salgueiro, em São Gonçalo. “Meus pais não conseguem entender, falam que é poluição sonora.”
Nos anos 1990, o Projeto Rappers, do Geledés, em São Paulo, visava proteger os direitos da população negra. Naquela época, bandas de rap que denunciavam a segregação e a violência enfrentavam repressão. Muitas vezes, eram sistematicamente retiradas dos palcos pela polícia, que agia com agressão e desrespeito à liberdade de expressão, conforme descrito no livro “Projeto Rappers: A Primeira Casa do Hip Hop Brasileiro – História & Legado”.
“As batalhas de rima me fazem refletir sobre valores, luta contra o racismo e justiça”, disse Patrick.“A dinâmica das batalhas é muito boa; quando estou à toa, assisto para me distrair e acabo refletindo sobre vários assuntos. Alguns artistas que eu assisto em batalhas, como Major RD, Orochi e Xamã, hoje são referências do rap nacional”.
Festivais e premiações muitas vezes ignoram ou discriminam artistas do rap nacional, favorecendo outros estilos e limitando suas oportunidades. No entanto, o gênero tem ganhado cada vez mais força e reconhecimento, conquistando seu espaço.
O documentário “Movimento Hip Hop: Londrina, 2024”
Victória Furtado, idealizadora, diretora geral e de arte do documentário “Movimento Hip-Hop: Londrina, 2024”, testemunhou a votação do Projeto de Lei 203/2021 em Londrina, que propunha a privatização de praças e espaços públicos. Nesse dia, a comunidade hip hop se reuniu na Câmara Municipal para protestar, debatendo como a restrição do acesso a esses espaços prejudicaria atividades culturais como batalhas de rima e outras manifestações artísticas de rua.
A partir dessa votação, nasceu a ideia do documentário, que tem como objetivo expor a força desse movimento. O filme mostrará como os jovens se tornam agentes de mudança nas periferias. Como afirma Victória: “Mesmo com todos esses obstáculos, a comunidade hip hop continua resistindo e se fortalecendo, garantindo que as próximas gerações também possam ter essa opção.”
A falta de reconhecimento e a estigmatização do hip hop como “produto” da violência limitam as oportunidades dos jovens. A representação negativa ou falta de representação nos meios de comunicação reforça uma visão distorcida das periferias, afetando tanto a autoimagem dos jovens quanto as atitudes da sociedade em relação a eles.
Juventude e resistência
O hip hop é uma estrutura de expressão de identidade para muitos artistas e jovens. O movimento, que nasceu em áreas marginalizadas, continua a ser um meio fundamental para a resistência cultural e social. Artistas usam suas letras para abordar questões de preconceito, desigualdade e opressão, oferecendo uma visão alternativa da realidade vivida por eles.
Um exemplo é Rodrigo, conhecido como Major RD, nascido em Campo Grande, Rio de Janeiro, que adotou seu nome artístico inspirado no personagem Major do filme “Green Street Hooligans” após uma briga escolar. Ele começou a se destacar no rap com sua lírica e flow agressivo. Inicialmente sonhando em ser jogador de futebol, Major RD encontrou sua verdadeira vocação no rap. Sua trajetória das batalhas de rima até se tornar um dos principais nomes do cenário nacional é um exemplo do impacto do hip hop.
“Estamos aqui para expor para outros públicos, que não só a própria comunidade do movimento hip hop, que esses jovens tem uma voz, tem um poder, tem uma vivência que pode mudar suas vidas através da cultura.” disse Victória Furtado.
Enquanto a estigmatização do hip hop pode limitar oportunidades, as periferias demonstram o poder transformador desse movimento como uma forma de expressão e luta. Através da música e da arte, a juventude continua a afirmar sua identidade e a desafiar as barreiras impostas pela exclusão cultural e econômica.