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GovBR

Por Maria Eduarda Goulart

O município de São Gonçalo (RJ) mostrou resultados  alarmantes no Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb) comparados às médias nacionais, que apresentaram melhora gradual. Enquanto isso, professores da rede municipal recebem salários abaixo do piso nacional e trabalham sob condições precárias. Desde 2021, os profissionais denunciam que a nova gestão municipal vem tirando direitos da classe e implementando medidas que contribuem para uma estagnação da educação.

Em 2024 foi divulgado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2023, que reúne em um único indicador o fluxo escolar e as médias de desempenho em avaliações. As notas variam de 0 a 10, de forma que quanto maior o desempenho dos alunos e o fluxo escolar, maior será a nota no Ideb.

O índice é calculado a cada dois anos, sendo que o último divulgado diz respeito a dados de 2023. Dois anos antes, em 2021, o índice brasileiro para o Ensino Fundamental Regular – Anos iniciais foi de 5,8, mas apresentou melhora em 2023, alcançando a média de  6,0. 

No entanto, no município de São Gonçalo a tendência se inverteu. Em 2021, a média municipal no Ensino Fundamental Regular – Anos iniciais foi de 5,2. Já em 2023, a média caiu para 4,5. Na cidade, apenas uma unidade teve uma nota acima de 6, a Escola Municipal Professora Genecy Suhett Lima, que subiu de 5,8 em 2021, para 6,1 em 2023.

Entre as unidades com notas abaixo da média municipal está a última colocada, Escola Municipal João Aires Saldanha, que em 2023 teve uma nota de 3,1.

Comparado aos outros municípios do Rio de Janeiro em 2023, São Gonçalo ficou em penúltima posição, empatado com Duque de Caxias e Porciúncula, ficando acima somente de Japeri, que obteve nota 4,3. Já nas escolas municipais do Ensino Fundamental Regular – Anos Finais, o IDEB foi de 4,2 em 2021, e de 3,9 em 2023.  

Tabela comparativa das notas do Ideb para escolas urbanas de redes municipais para o Ensino Fundamental Regular – Anos Iniciais entre São Gonçalo e a média brasileira nos anos de 2021 e 2023
Fonte: Dados do Ideb e IBGE

José Ricardo, coordenador geral do núcleo de São Gonçalo do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE-SG), acredita que, diante da realidade da educação no município, as notas do Ideb foram inclusive além do que se esperava. “A rede municipal não se preparou para as avaliações externas. A carência de professores é grande demais, mais de 400 alunos PCDs estão em casa aguardando professores de apoio especializados”, denuncia o educador. Ele informa que também faltam professores para as turmas.

“Alguns alunos iniciaram o ano letivo de 2024 em agosto por falta de professores, turmas foram fechadas e outras foram reduzidas. Uma determinada turma do maior colégio municipal de São Gonçalo ficou o ano de 2023 sem ter sequer um dia de aula de matemática. Mesmo sendo aprovados, esses alunos estão em 2024 aguardando a chegada de um professor de matemática. Diante de tamanha carência, esse índice do Ideb ainda foi além do que espelha a realidade local”.

O estudo Qualidade do Professor Brasileiro, realizado pelo Instituto Península, em parceria com o Movimento Profissão Docente e com o Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (CEAG) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), traça um paralelo entre a qualidade da educação e a qualidade do professor. A pesquisa considera que a qualidade do ensino é influenciada por diversos fatores, e que o professor é um dos principais deles.

Entre os eixos considerados no Índice de Qualidade do Professor (IQP) está, por exemplo, “Condições de Profissionalização”, que enfatiza a importância de um ambiente de trabalho propício para a realização de um trabalho eficaz por parte dos professores. Na conclusão do estudo, foi enfatizada a importância da excelência do corpo docente para a eficácia do ensino. Um dos resultados indicou que cerca de 57,76% da variação nos resultados educacionais para o Ensino Fundamental se deve aos eixos que compõem a qualidade do professor.

“Portanto, aprimorar a formação e as condições de trabalho dos professores permanece como uma prioridade essencial para promover uma educação de qualidade em todo o país. Além disso, sugere-se a realização de estudos de caso para uma compreensão mais aprofundada das realidades locais que influenciam os resultados educacionais.”, diz um trecho conclusivo do estudo.

O descaso com a classe docente em São Gonçalo pode explicar ao menos em parte os resultados do município no Ideb. Em 2021, após a posse do prefeito Capitão Nelson (Avante), reeleito em 2024, o município aprovou o “Novo Plano de Cargos e Salários” para os professores. Segundo o Sepe-SG, a medida cortou direitos dos docentes, como a gratificação por formação. Mesmo com a insatisfação da classe dos servidores da educação, no ano seguinte, 2022, houve também a mudança do Estatuto do Servidor, que retirou outros tantos direitos conquistados. 

Estatuto do Servidor, fornecido pelo SEPE-SG
Foto, digitalizada: Maria Eduarda Goulart

A professora de apoio da rede municipal de São Gonçalo, Valeska Webster, acredita que a Prefeitura não demonstra esforços para melhorar as condições de trabalho dos profissionais da educação e relata seu descontentamento com o novo plano de carreiras. “A primeira coisa que fizeram [gestão do prefeito Capitão Nelson] foi tirar o nosso plano de carreiras, que era um dos melhores do Brasil. Eu já tenho dois anos de Prefeitura e não recebi aumento, só tive aumento quando eu entrei. Acho que a Prefeitura peca muito com os professores”.

Valeska diz, ainda, que não recebe da Prefeitura de São Gonçalo materiais de trabalho suficientes para as adaptações necessárias para o exercício de sua profissão. “Na maioria das vezes eu tiro do meu bolso para montar a atividade”.

Professores da Rede Municipal de São Gonçalo trabalham em 2024 sob condições precárias e, até mesmo, ilegais. No município fluminense, o piso nacional dos professores não é respeitado, as escolas funcionam sem climatização adequada e a Prefeitura permanece negando aos profissionais da educação direitos básicos. 

No dia 31 de janeiro de 2024, o Ministério da Educação (MEC) divulgou o novo piso salarial dos professores da educação básica. Com um reajuste de 3,62% em relação ao de 2023, o piso salarial dos professores passou a ser de R$ 4.580,57. De acordo com a LEI Nº 11.738, DE 16 DE JULHO DE 2008, “O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais”. Ou seja, apesar de o reajuste não necessariamente ser automático, a depender de cada estado e município, cabe às redes de ensino de todo o país cumprirem a lei citada e considerarem, em 2024, R$ 4.580,57 como o salário mínimo a ser pago aos professores com 40 horas de trabalho semanais.

No entanto, no município de São Gonçalo (RJ), o piso salarial nacional não é respeitado. Todos os anos, o Governo Federal realiza um reajuste no mês de janeiro, conforme prevê a LEI Nº 11.738. De acordo com o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação, núcleo de São Gonçalo (SEPE-SG), em 2022 o reajuste apenas foi cumprido após uma greve realizada pelos servidores e posicionamento da justiça exigindo o cumprimento da lei. Com isso, houve, então, um reajuste de 21,79% para todos os servidores do município, não apenas para o magistério. Mas o SEPE-SG esclarece que essa mudança foi feita após alegações da Prefeitura de que não teria dinheiro para sequer pagar o piso dos professores. 

Já em 2024, mesmo após o reajuste anual do MEC, o piso nacional dos professores não foi atingido. De acordo com o EDITAL Nº 001/PMSG/2024, do concurso público para o magistério em São Gonçalo, realizado em 2024, o salário para docentes com carga horária de 40 horas semanais seria de R$ 4.530,59. Assim, mesmo para novos concursados, não haveria o cumprimento do piso nacional, uma defasagem de R$ 49,98. 

Greve da rede municipal em 20 de setembro de 2022. Foto: (@sepesg, no Instagram)

A situação dos profissionais da educação, como relatado por Valeska, professora de apoio da rede, sofre precarizações que abalam o dia-a-dia do trabalho dos servidores. Com isso, a educação como um todo e os estudantes são constantemente afetados.

De acordo com José Ricardo, coordenador geral do SEPE-SG, a falta de climatização nas escolas municipais é preocupante. “A imensa maioria das unidades não possui ar condicionado, mas pior que isso é termos escolas sem bebedouros com água gelada, sem ventiladores, com teto em telhas de zinco e salas sem janelas”. 

O coordenador afirma, ainda, que não existe nenhuma legislação que torne obrigatório o ar condicionado nas salas de aula, mas relata que, devido às altas temperaturas no município, existem muitas escolas que suspendem as aulas por conta da impossibilidade de permanência nas unidades em dias de calor extremo. Em outros casos, as aulas não são suspensas e não são raros os relatos de professores e alunos que passam mal em sala de aula devido ao calor e à superlotação do ambiente estudantil.

Há, ainda, a falta de garantia do terço de planejamento no município. A LEI Nº 11.738 prevê que a carga máxima de interação dos professores com os alunos, ou seja, o tempo dedicado a ministrar as aulas, deve ser de ⅔(dois terços) da carga horária total. 

O ⅓ restante seria, então, dedicado ao planejamento das aulas, mas no município fluminense essa parcela da carga horária não é garantida. José Ricardo, coordenador geral do SEPE-SG, explicou que, às sextas-feiras, as escolas fazem uma reunião pedagógica com o objetivo de planejamento, correção de atividades, preparação de fichas individuais dos alunos, entre outros. No entanto, essa “reunião pedagógica” tem uma duração aproximada de 2 horas, o que torna praticamente impossível cumprir todos os objetivos.

Assim, as atividades escolares são amplamente prejudicadas por conta da falta do ⅓ de planejamento. Para os professores, resta, então, preparar o restante das atividades fora do ambiente escolar, extrapolando os limites da jornada de trabalho original. No entanto, o coordenador do SEPE-SG ressaltou que essa parcela da carga horária, na teoria, também deveria ser destinada à formação e capacitação dos professores, o que, com a falta deste tempo, acarreta na estagnação da educação no município.

No dia 22 de setembro de 2024, data em que é comemorado o aniversário de São Gonçalo, os servidores do magistério foram às ruas durante o desfile cívico de comemoração para denunciar o descaso com a educação no município. Na data, foram distribuídos panfletos informando a situação dos profissionais da educação municipal, no formato de uma carta aos pais e responsáveis de alunos da rede municipal.

Folder distribuído no dia, denunciando o descaso com as escolas de São Gonçalo. 
Foto: Reprodução

Atualmente, as diretorias das escolas são indicadas, não eleitas, o que levanta questionamentos a respeito do potencial de favorecimento político no município. No Plano de Carreiras de 2021, foi estabelecido que todos poderiam ser diretores de escolas, com exceção daqueles que respondem a inquéritos administrativos ou que estão em estágio probatório. O estágio probatório é o período de três anos a partir da data de posse do cargo durante o qual o concursado deveria ser semestralmente avaliado para, se aprovado, tornar-se estável no cargo.

No entanto, em 2022, com o novo Estatuto do Servidor, essa regra foi alterada. Com isso, cargos como o de diretor passaram a ter a possibilidade de serem de livre nomeação do chefe do executivo, ou seja, o prefeito. Assim, de acordo com dados fornecidos pelo SEPE, mais de 20 professores em estágio probatório assumiram a direção de escolas sem qualquer tipo de experiência no magistério ou em gestão escolar. Segundo o sindicato, houve, inclusive, uma espécie de loteamento dos cargos, realizado pelos vereadores na Câmara dos Vereadores.

De acordo com José Ricardo, “É comum encontrar assessores de vereadores circulando nos corredores das escolas e em conversas fechadas em salas de diretores. O confronto entre comprometidos com a educação pública [servidores concursados] e comprometidos em manter a extensão do gabinete do vereador [diretores e comissionados enviados por esses vereadores] é constante”. Ele afirmou, ainda, que a Prefeitura de São Gonçalo recusou cerca de 30 milhões de reais do VAAR (Valor aluno ano regular) por não aceitar fazer a consulta na comunidade escolar para escolha de direção.

O VAAR é um componente do VAAT (Valor anual total por aluno), que considera o custo médio anual por aluno em uma escola regular. No entanto, o VAAR possui algumas condicionalidades de melhoria de gestão, que têm o objetivo de evolução de indicadores (a serem definidos) de, por exemplo, melhoria de aprendizagem e redução de desigualdades. 

Na relação divulgada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no motivo detalhado para o não recebimento da complementação do VAAR no município de São Gonçalo consta: “Não comprovou a implementação da gestão democrática”. Este é um não cumprimento do disposto no art. 14, § 1º, I da Lei nº 14113/2020, que considera que a função de gestor escolar, ou seja, o diretor, deve estar de acordo com critérios técnicos de mérito e desempenho ou a partir de votação com participação da comunidade escolar. Como no município esses cargos podem ser indicados e nem sempre votados, a verba não foi concedida.

Entramos em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Educação de São Gonçalo a respeito das questões aqui apresentadas, mas não obtivemos resposta.

Tatiana Costa foi professora da rede municipal de São Gonçalo por oito anos. Em outubro de 2024 mudou para a rede municipal de Niterói, cidade vizinha, e considera que o descaso da Prefeitura de São Gonçalo com os professores e com a educação foram essenciais para a mudança. “O salário em São Gonçalo, principalmente depois que nós tivemos o corte no Plano de Cargos e Salário, está muito abaixo, a longo prazo, do salário de Niterói”.

Apesar de um salário maior garantido aos profissionais da educação, Niterói também teve índices abaixo da média nacional. Para o Ensino Fundamental Regular – Anos iniciais, a nota no município foi 5, apresentando um decréscimo em relação a 2021, no qual obteve nota 5,6. No entanto, apesar de também apresentar diminuição nos índices, Niterói permanece com notas acima de São Gonçalo.

Contudo, a professora relaciona a gestão da Prefeitura de São Gonçalo e a falta de incentivos e garantia de direitos do professor com o desempenho da educação: “Parece que é uma prefeitura que tá acima da lei. Parece a volta daquele coronelismo de séculos atrás. […] O professor precisa de mudança, precisa de coisas assertivas, afirmativas, pra ele poder ter vontade de se aperfeiçoar e de fazer melhor, porque se não, você cai em um comodismo. Aí o que acontece é a decadência da educação”

Em 2025, novas provas serão realizadas nas escolas a fim de então compor a nota do Ideb. Tentamos ouvir a coordenadora pedagógica de uma escola do município bem classificada na prova, mas não obtivemos autorização da Prefeitura para fazer a entrevista.

No começo do ano, a previsão é a de um reajuste do piso salarial nacional dos professores, mas em São Gonçalo será necessário um reajuste maior que o nacional para adequação ao piso.

“A rede precisa de uma reestruturação como um todo. Todos os setores têm que ser reestruturados pra que a gente consiga ter voz. Nenhum professor tá na função pra acabar com a educação, pelo contrário, quem defende a educação é o professor. Só que somos os últimos a serem ouvidos”, diz Tatiana Costa, ex-professora da Rede Municipal de Ensino de São Gonçalo.

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