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A escolarização de jovens e adultos no Brasil traz novas perspectivas

Por Lara Batista

Após um dia de trabalho, a empregada doméstica de 54 anos, Mônica Silvério chega ao colégio para mais uma aula. Depois de viver mais de cinco décadas sem frequentar uma escola, ela resolveu aprender as letras e se matriculou na Escola Municipal Alberto Torres, em Niterói.

“O meu avô não me deixou estudar, porque a gente vendia aipim naquele tempo. A gente tinha que trabalhar para comer. Eu tinha que ajudar ele na roça e não pude estudar”, relata Mônica. Ela ainda conta que não sabia sequer assinar seu nome ou, mesmo, chegar aos lugares com facilidade, pois não conseguia ler o letreiro dos ônibus. Agora, Mônica faz parte da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e para ela, a educação mudou completamente sua vida.

A EJA é uma modalidade de ensino que pode ser ofertada pelas redes federal, estadual e municipal. Ela atende a quem não concluiu a educação básica na idade regular. É destinada a jovens de 15 anos ou mais e adultos, e abrange o ensino fundamental e o ensino médio. Além disso, permite que os alunos retomem os estudos e os concluam em menos tempo.

Assim como Mônica, mais de 11 milhões de brasileiros são analfabetos. De acordo com o último levantamento Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número representa aproximadamente 7% do total da população com 15 anos ou mais. Além disso, dados presentes no Censo Escolar de 2024 apontam que mais de 68 milhões de brasileiros de todas as faixas etárias não concluíram o ensino básico.

Aluna da Educação de Jovens e Adultos de Niterói | Reprodução: ASCOM

“Todos esses jovens e adultos têm o direito à educação. Só que a maioria nunca teve esse direito concedido. Nunca conseguiram acessar a educação ou acessaram parcialmente e tiveram que abandonar por motivos de trabalho”, aponta o coordenador da Cátedra UNESCO de Educação de Jovens e Adultos e professor membro da Comissão Nacional de Alfabetização da Educação de Jovens e Adultos, Timothy Ireland. Ele acredita que a falta de acesso ao ensino tem, também, um aspecto econômico, já que, para muitos, a única alternativa é o mercado informal.

EJA: caminho sinuoso

“Eu pessoalmente considero que a aprendizagem é uma parte do nosso DNA. A gente precisa aprender ao longo da vida, a gente tem que aprender a saber quem nós somos e aprender a entender melhor a sociedade em que a gente vive. Então, eu acho que não ter uma política nacional efetiva de educação é um crime contra a humanidade”, acrescenta Ireland.

No Brasil, o Ensino de Jovens e Adultos possui um caráter que o professor caracteriza como “compensatório”, devido ao grande número de pessoas que não conseguiram concluir o ensino básico na idade regular.

“Quase um terço da população brasileira não concluiu a educação básica. Se a gente olhar para a história de vida dessas pessoas, a gente vai ver um recorte de classe. Estamos falando das frações mais marginalizadas da classe trabalhadora que foram destituídas de vários direitos e são destituídos do direito de educação”, diz a professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, Adriana Barbosa. Ela aponta que, historicamente, a EJA foi sempre considerada um projeto efêmero. 

O último levantamento do Censo Escolar da Educação Básica, produzido pelo Inep em 2023, ainda aponta que a  maioria dos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) é composta por pessoas negras (pretas e pardas), que representam mais da metade dos alunos matriculados, como é possível observar no gráfico abaixo.

Dados do Censo Escolar da Educação Básica 

A desigualdade não se restringe à educação: de acordo com informações da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD Contínua, as taxas de desemprego são mais altas entre pessoas negras.  Historicamente, a taxa de desemprego entre a população negra no Brasil tem sido mais alta do que entre os brancos. No último trimestre de 2023, a taxa de desemprego entre brancos era de cerca de 6,8%, enquanto o número de pessoas negras sem ocupação estava em torno de 11,9%, superando a média de brasileiros desempregados, que era de 8,3%.

Dados da PNAD Contínua de 2023

Nesse contexto, a falta de escolarização entre pessoas negras influencia diretamente as taxas de desemprego. A educação é um dos fatores mais importantes para a inserção no mercado de trabalho, e essa desigualdade educacional tem um impacto significativo nas oportunidades de emprego. 

O cenário de desigualdade educacional é ainda mais agravado quando se considera o desemprego entre mulheres negras, que enfrentam não só o racismo, mas também o sexismo. As taxas de escolarização entre as mulheres negras são mais baixas do que as dos homens negros, o que leva a uma concentração maior em empregos informais e de menor remuneração.

A história de Mônica é a narrativa de muitas mulheres negras brasileiras que não puderam estudar. 

“Na hora de fazer a identidade, quando eu pude assinar meu nome pela primeira vez, eu gritei, eu chorei e pensei assim: agora não precisa botar o dedo! Meu  dedo ficava todo sujo de carvão e eu tinha a maior vergonha. Ficava escondendo, parecia que aquilo era crime, né?”, ela conta emocionada sobre a primeira oportunidade que teve de assinar seu nome ao fazer uma nova carteira de identidade.

EJA: suas particularidades

“A grande diferença entre a modalidade de ensino regular para a Educação de Jovens e Adultos é que a criança está em um momento de formação muito inicial. O adulto não”, destaca o pedagogo da  Escola Municipal Alberto Torres, Magno Sales. 

Ele relata que tem alunos com mais de 75 anos que já trazem uma bagagem intelectual muito grande, que vai além do ensino escolar. Para ele, é imprescindível respeitar toda a história de vida dos alunos. É preciso que a EJA entenda as particularidades desses indivíduos e que o conteúdo seja direcionado para eles. 

Em contrapartida, a implementação efetiva da EJA ainda enfrenta desafios, como a falta de recursos, a necessidade de estruturas pedagógicas adaptadas para os estudantes e a ausência de uma formação adequada para professores que vão trabalhar com essa modalidade de ensino.

“Precisamos de investimentos na formação inicial e continuada. Por exemplo, hoje um professor que estuda licenciatura, não necessariamente vai estudar Educação de Jovens e Adultos. Aí, vai para o campo, para as escolas que oferecem a EJA sem nunca ter estudado como funciona”, reitera a pesquisadora Adriana.

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