Por: Alícia Carracena
O ano de 2024 se destacou por diversos avanços, desafios e momentos que ficarão na história, mas deixa também um triste vestígio das situações alarmantes do meio-ambiente e da segurança pública. Com alterações climáticas extremas em diferentes áreas do Brasil – resultados visíveis do aquecimento global -, secas, focos de incêndios e enchentes marcaram o ano que se passou. O país se uniu em uma onda de solidariedade para ajudar as pessoas que de um dia para outro viram suas casas, pertences e tudo que amavam sendo levados pelas fortes águas das enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul. Na área de segurança pública, a situação também preocupa. As taxas de assassinatos alcançaram níveis críticos e o aumento do número de mortes por policiais é algo que provoca insegurança na população.

Rastros do ano que terminou são visíveis em 2025. No último dia 15, a cidade de Balneário Camboriú, no Litoral Norte de Santa Catarina, enfrentou uma forte chuva e registrou em um único dia quase todo o volume esperado para o mês de janeiro inteiro. Segundo o município, entre às 12h do dia 15 até às 12h do dia 16, foram registrados 197,8 milímetros de chuva, número próximo aos 215 milímetros totais esperados para o mês inteiro.
A situação pegou a prefeita Juliana Pavan de surpresa, que decretou estado de emergência. A cidade ficou debaixo d’água, com casas inundadas e ruas interditadas devido aos alagamentos. A Prefeitura disponibilizou três pontos de abrigo e apoio, mas Pavan declarou em um vídeo nas redes sociais que Balneário Camboriú não estava preparada para uma situação como essa. Em razão das enchentes ocorridas em maio do ano passado no Rio Grande do Sul, os itens de emergência da cidade foram doados para os municípios afetados. “Preciso de ajuda, estamos sem equipamentos, colchões… Isso tudo foi destinado ao Rio Grande do Sul. Estamos sem nada“, afirmou no vídeo.
Na segurança pública, o alto índice de assassinatos no país foi motivo de preocupação. Foram mais de 38 mil mortes violentas, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Outro número chocante divulgado pelo órgão foi o de mortes por policiais, que contou com cerca de seis mil pessoas. Além disso, o despreparo das forças de segurança brasileiras ficou nítido frente a casos de vítimas de disparos por armas de fogo de agentes públicos.
Um exemplo é o caso da jovem Juliana Leite, de 26 anos, atingida na cabeça por um tiro de fuzil durante uma operação da Polícia Rodoviária Federal na Rodovia Washington Luiz, na altura de Duque de Caxias (RJ), em 24 de dezembro. Juliana estava em um carro com a família quando três agentes da PRF atiraram contra o veículo. A família estava a caminho de Niterói, onde iria comemorar o natal. A jovem segue internada, apresenta melhoras e escreveu na última semana um bilhete onde pede por justiça.
Acompanhe a seguir uma avaliação detalhada do último ano sobre as questões ambientais relacionadas a extremos climáticos e sobre os números de violência que assolam a segurança pública.
Reação às mudanças climáticas
Um estudo do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que se debruçou em 60 anos de dados climáticos no Brasil, mostrou como andam as precipitações de chuvas nos três períodos avaliados (1991-2000, 2001-2010 e 2011-2020) e os dados ressaltaram que houve uma queda na taxa média de precipitação, com variações entre –10% e –40% do Nordeste até o Sudeste e na região central do Brasil. Entretanto foi observado aumento entre 10% e 30% na área que abrange os estados da região Sul e parte dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Esses números coincidem com eventos extremos, como as enchentes que atingiram o Sul do Brasil em maio de 2024, bem como o recorde de queimadas e incêndios florestais verificado nos meses de agosto e setembro em mais de 60% do território nacional. A tragédia do Rio Grande do Sul é considerada o pior evento climático do estado, provocando a morte de 183 pessoas e deixando 27 desaparecidos.
Quase 95% das cidades do estado foram afetadas, a Defesa Civil divulgou um número de 471 municípios atingidos pelas fortes chuvas. No auge da tragédia, cerca de 79 mil pessoas ficaram desabrigadas após terem suas casas levadas ou destruídas pela água. Priscila Braga, moradora de Guaíba, relatou em suas redes sociais como foi o cotidiano durante o período. A casa da jovem foi inundada e a família perdeu todos os móveis, apesar disso eles conseguiram sair em segurança e se abrigaram na casa de amigos. “Perder tudo o que você trabalhou pra ter, tudo o que você conquistou, é horrível. Por sorte não perdemos a casa e, o mais importante, conseguimos sair todos de lá antes que alguma coisa pior acontecesse. A gente foi comprando as coisas de volta aos poucos, recebemos algumas doações de roupas e assim a gente foi se ajeitando”, relata Priscila.

Mas nem todos os casos tiveram essa mesma resolução. Mais de mil pessoas continuam desabrigadas em cidades como Canoas, Porto Alegre e Canela. Meses depois da tragédia, diversos municípios ainda tentam se reconstruir. O governo do Rio Grande do Sul investiu 2,4 bilhões de recursos do Tesouro do Estado em ações do Programa de Reconstrução, Adaptação e Resiliência Climática do Rio Grande do Sul, chamado de Plano Rio Grande. Além disso, também foram abertos espaços de abrigo para as famílias que perderam suas casas com as enchentes. Inaugurado em julho, o primeiro Centro Humanitário de Acolhimento (CHA) está localizado em Canoas, na região metropolitana da capital, e tem capacidade para abrigar 630 pessoas em 126 casas modulares.
Enquanto pessoas perdiam casas e sofriam com fortes chuvas na região Sul do Brasil, outras partes do país enfrentavam secas extremas, queimadas e nuvens de fumaça. Em outubro, o Rio Negro, maior afluente esquerdo do rio Amazonas, atingiu sua menor marca em mais de 120 anos de medição. Dados do Porto de Manaus indicaram que o rio estava marcando 12,66 mm, o menor nível já registrado.
Outro rio que registrou grande baixa foi o Madeira, em Porto Velho (RO). Em um período de estiagem extrema, ele atingiu a cota média de 1,80 metro em 22 de agosto. Esse foi o menor número já marcado no mês em 57 anos, desde que os níveis começaram a ser registrados pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB).

O estado de Roraima bateu no mesmo um ano um recorde histórico de número de focos de incêndio, apenas no mês de fevereiro foram contabilizados 2.057, quase metade da média anual. Além de Roraima, estados como São Paulo e Amazonas também quebraram recordes de focos de incêndio.
Imagens de Manaus envolta por uma grande nuvem de fumaça preta viralizaram na internet no mês de setembro. O estado do Amazonas entrou em estado de emergência ambiental por conta das queimadas. Uma onda de fumaça atingiu todas as 62 cidades do estado e uma mancha de fogo com cerca de 500 quilômetros de extensão chegou a cobrir todo o território.
Crise na Segurança Pública
Desde o início do governo Lula, a segurança pública tem sido um dos principais desafios enfrentados pela gestão. Em 2024, apesar da diminuição em alguns números em comparação com outros anos, a situação continuou em um nível alarmante. Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Brasil registrou um total de 38.075 assassinatos, uma queda de 6% comparada ao ano de 2023, quando o país registrou 40.768 mortes violentas intencionais. Há uma taxa de 17,9 mortes a cada 100 mil habitantes.

O número de feminicídios apresentou uma queda de 4%, com 1.400 registros em 2024 em comparação aos 1.450 de 2023. Crimes de violência contra a mulher chocaram o país, como foi o caso de Michele Pinto, 39 anos, que foi atacada e teve o corpo incendiado pelo ex-marido na estação de trem de Augusto Vasconcelos, na zona oeste do Rio, no mês de abril. Michele ficou internada por dois dias, mas não resistiu aos ferimentos e morreu.
Os dados de morte violenta, divulgados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, não incluem as taxas de Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP), que são separados dos assassinatos. As mortes cometidas por policiais foram 6.028. Carlos Rezende, sargento da polícia militar há 18 anos, destaca os desafios enfrentados pelos agentes de segurança pública: “A gente lida diariamente com situações de altíssimo risco, a maioria das vezes em comunidades com facções criminosas. Cada decisão precisa ser tomada em frações de segundo e nem sempre a gente tem o suporte necessário para evitar desfechos trágicos”, afirmou Rezende.

Entre as vítimas que integram os números de MDIP está Marco Aurélio Cardenas Acosta, estudante de medicina que foi assassinado com um tiro à queima roupa na escadaria de um hotel em Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo, durante uma abordagem policial no dia 20 de novembro. Marco Aurélio teria dado um tapa no retrovisor da viatura e fugido, o que motivou a ação violenta dos PMs Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado.
No Paraná, foram registrados 433 confrontos envolvendo policiais e guardas municipais, segundo dados do Ministério Público (MP-PR). Esse é o segundo maior número do estado desde 2019, ficando atrás apenas de 2022. No Rio de Janeiro confrontos como esse são tristemente comuns. Em outubro, um passageiro de ônibus foi morto enquanto dormia, vítima de bala perdida, durante um tiroteio na Avenida Brasil. Renato Oliveira, de 48 anos, estava em um ônibus vindo de Nova Iguaçu, a caminho do trabalho, quando foi baleado na cabeça. Perto do local, na Cidade Alta, PMs realizavam uma operação para prender criminosos que atuam no roubo de carros e cargas quando foram alvo dos criminosos e iniciaram o confronto.
Além dos altos índices de homicídios e feminicídios, outros tipos de violência também ganharam destaque em 2024, evidenciando a complexidade dos desafios enfrentados pelo governo. Os crimes patrimoniais, como roubos e furtos, mantiveram um patamar elevado, sobretudo nas grandes metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2024 foram registrados cerca de 90 casos por dia de roubo de veículos no Rio de Janeiro. Foram mais de 28 mil casos em todo o estado, o maior número dos últimos 5 anos.
Diante dos crescentes números de violência no país, o Governo Federal anunciou no dia 17 de janeiro uma nova estratégia para enfrentar o crime organizado e retomar áreas dominadas por milícias e facções criminosas. O plano é construído em quatro partes, na fase inicial é realizado um estudo sobre a organização dominante para saber como seu poder é exercido e qual economia a mantém. Após o diagnóstico, realizam-se operações policiais, com um acordo entre as polícias estaduais e possíveis reforços das Forças Nacionais, para prender os criminosos.
O plano ainda propõe uma substituição da economia gerada por essas organizações por uma economia do Estado, com a implantação de programas sociais e oportunidades de geração de renda para os moradores. O projeto vai ser iniciado em uma cidade teste mantida sob sigilo no Nordeste, mas a ideia é que se expanda para grandes capitais e que alcance locais como o Rio de Janeiro, que hoje mantém uma das maiores organizações criminosas do Brasil. “Estamos tentando padronizar a ação da polícia em todo o território nacional. O objetivo é fazer com que a polícia aja racionalmente e reaja proporcionalmente às ameaças”, explicou Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública.