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Por Pilar Copolilo

O ano de 2024 foi marcado por adversidades significativas para a educação no Brasil, evidenciando desafios tanto naturais quanto sociais que muito impactaram o acesso ao ensino em diversas regiões do país. O setor educacional, que já enfrentava dificuldades históricas, se viu ainda mais pressionado diante de crises que comprometeram o funcionamento das escolas e o direito ao aprendizado de milhões de crianças e adolescentes. Eventos climáticos extremos, como as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, provocaram danos estruturais em centenas de instituições de ensino, deixando milhares de alunos sem acesso às aulas por meses. Já no sudeste do país, o Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, viveu o agravamento de problemas relacionados à violência urbana, com operações policiais que forçaram escolas a fecharem suas portas de forma frequente ao longo do ano. Essas situações trouxeram consequências diretas para estudantes e profissionais da educação, ampliando as desigualdades e expondo a vulnerabilidade do sistema educacional brasileiro diante das crises. Enquanto as chuvas no sul do país destacaram a urgência de investimentos em infraestrutura e protocolos de emergência, a insegurança vivida na Maré refletiu a necessidade de políticas públicas que protegessem as comunidades escolares em áreas de conflito. Esses obstáculos reforçam a importância de um planejamento estratégico que assegure a continuidade do ensino, mesmo diante de adversidades tão intensas.

Entre os meses de abril e maio de 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou chuvas intensas que desencadearam enchentes históricas, afetando 478 dos 497 municípios do estado, segundo dados do Repositório do Conhecimento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O volume de precipitação atingiu, em algumas áreas, cerca de 40% da média anual em apenas duas semanas, deixando um grande rastro de destruição. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), aproximadamente 1,17 milhão de estudantes brasileiros tiveram suas atividades escolares interrompidas devido a eventos climáticos extremos, como enchentes e tempestades, tendo as enchentes no Rio Grande do Sul como a principal causa. Segundo dados da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC-RS), mais de mil escolas e cem bibliotecas foram diretamente atingidas, comprometendo a estrutura física e o funcionamento dessas instituições. Em junho, cerca de 6,9 mil estudantes ainda estavam sem aulas devido aos danos causados pelas inundações entre os meses de abril e maio. A situação foi agravada pela precariedade das estradas, dificultando o acesso às áreas mais afetadas, tanto para os estudantes quanto para os profissionais da educação. 

O governo estadual declarou estado de calamidade pública em 78 municípios e situação de emergência em outros 340, totalizando 456 municípios em condições críticas. Para amenizar os impactos, foram disponibilizados materiais pedagógicos emergenciais, além de medidas para acelerar a recuperação das escolas danificadas. Em setembro, a Secretaria de Obras Públicas do estado relatou que cerca de 42% das instituições atingidas já haviam retomado suas atividades presenciais, mas a retomada completa enfrentava desafios logísticos e financeiros, além do trauma vivido pelas comunidades escolares. 

Escolas do Rio Grande do Sul afetadas pelas enchentes – Rafa Neddermeyer / Agência Brasil

Na Zona Norte do Rio de Janeiro, as constantes operações policiais no Complexo da Maré também trouxeram grandes obstáculos para a área da educação. Ao longo de 2024, as escolas da região foram obrigadas a fechar suas portas por, pelo menos, 28 dias devido a ações policiais e confrontos armados. Esses dados foram confirmados pela Secretaria Municipal de Educação (SME-RJ) e refletem a vulnerabilidade das comunidades escolares em áreas de conflito urbano. 

Uma estudante do terceiro ano do ensino médio, que preferiu não se identificar, fala sobre a sensação de estar atrás dos demais estudantes. Ela cita a vontade de desistir dos estudos. 

“É difícil até de falar. A gente se prepara, estuda dobrado para conseguir ter alguma chance nas provas que abrem portas para as faculdades, mas temos nossos sonhos diariamente adiados. Cada dia sem aula é um dia a menos de preparação, é mais um dia que ficamos dois, quatro, não sei exatamente quantos degraus atrás daqueles que têm as condições básicas para conseguir aprender. Além de tirarem nosso direito de ir para a escola, também não temos condições de ignorar a guerra que está acontecendo do lado da nossa janela. Não dá sequer pra ler um livro. Você fica na apreensão de que algo pode acontecer a qualquer momento, fica pensando se amanhã vai ser diferente, ou se por mais um dia vai ser “um dia a menos”. Passa muita coisa na cabeça, é muita vontade de desistir. Mas a verdade é que o estudo é a única oportunidade que a gente tem de sonhar em ter um futuro diferente, né? É ao que nos apegamos para poder criar na nossa imaginação, um cenário onde um dia vou poder sair da minha casa para trabalhar, para me divertir, para fazer o que eu quiser sem ter que me preocupar com tiroteio e bala perdida.”

A jovem, que se prepara para cursar medicina veterinária, relata ter ficado uma semana sem ir para a escola. 

“Se não me engano, em agosto cheguei a ficar uma semana seguida sem aula. Claro que minhas chances não vão ser iguais as dos outros estudantes, os que não vivem essa realidade assim como eu e tantos outros. É um absurdo termos que passar por isso, desanima e entristece muito.” 

A mãe de uma criança que cursa o segundo ano do ensino fundamental, e se identificou apenas como Diana, fala sobre a questão da insegurança. 

“É um desespero muito grande. Tem dias que mesmo com operação, a gente tem que sair para trabalhar, já perdi serviço por isso. Como vou sair de casa tranquila e deixar meu filho? Sabendo que ele corre risco de bala perdida, que ele vai ficar em casa sozinho.”

Diana ainda ressalta a questão do conteúdo perdido e cobra segurança. 

“A segurança é sempre em primeiro lugar, mas além disso, ainda tem o ponto que ele está em casa sem aprender, sem se desenvolver, perdendo conteúdo. Conteúdo esse que dizem que vai ser reposto… Parece piada com a nossa cara, é uma falta de respeito isso com as nossas crianças. O mínimo é a garantia de segurança para poder estudar. Se tivesse mais criança na escola, pode ter certeza que teria menos operação para fazer nas favelas.” 

A Redes da Maré, organização que atua na região, destacou que a interrupção frequente das aulas não apenas compromete o aprendizado, mas também agrava a desigualdade educacional. Alunos e professores relataram dificuldades para manter a regularidade do ensino, com muitos jovens abandonando a escola devido ao medo e à falta de segurança. Em resposta, o Ministério Público Federal (MPF) chegou a iniciar discussões com as autoridades locais para reduzir o impacto dessas operações sobre as escolas, propondo medidas compensatórias e estratégias para garantir a segurança dos estudantes. Em setembro de 2024, o MPF recomendou que as operações em horários escolares fossem reduzidas e que corredores de segurança fossem criados para garantir o acesso às instituições de ensino. No entanto, até dezembro, a implementação efetiva dessas recomendações ainda estava em fase inicial. 

No contexto social, áreas de conflito como o Complexo da Maré demonstram a necessidade de integração entre segurança pública e educação, garantindo que os jovens não sejam afastados das salas de aula pela violência. Projetos de mediação de conflitos, presença comunitária e fortalecimento do diálogo entre autoridades e população local são passos fundamentais para reduzir os impactos da violência no ambiente escolar. 

Estudantes e professores sofrem com rotina de violência da favela da Maré – Foto: ONG Rioonwatch

Esses desafios ressaltam a necessidade urgente de políticas públicas eficazes que garantam a continuidade do ensino, mesmo diante de adversidades, assegurando o direito à educação para todos os estudantes brasileiros. Investimentos em infraestrutura, sistemas de ensino remoto e protocolos de emergência se mostram necessários para garantir a continuidade do aprendizado e garantir uma oportunidade para os jovens.

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