Por Lívia Mendes
Debaixo das avenidas, em meio às calçadas, nas praças, lá estão eles. Consideradas invisíveis por muitos, as pessoas em situação de rua formam, hoje, uma pequena multidão de cidadãos e cidadãs à margem das políticas públicas.
Segundo dados do relatório “População em situação de rua: diagnóstico com base nos dados e informações disponíveis em registo e sistemas do Governo federal”, em 2022, 1 a cada mil pessoas vive em situação de rua no Brasil. O diagnóstico aponta ainda que, das 236 mil pessoas nesta condição, 62% vivem na região Sudeste.
O Rio de Janeiro é a cidade que ocupa o segundo lugar do ranking entre os municípios com o maior número absoluto de pessoas em situação de rua (PSR) cadastradas no Cadastro único de dezembro de 2022, com 5,7% do total de PSR do país. Na primeira posição está o município de São Paulo.
Para Elton Teixeira, secretário da Assistência Social e Economia Solidária de Niterói, o aumento do número de pessoas nessa situação está ligado a dois fatores: o social e o econômico.
“A gente já passava por uma crise profunda de desemprego e juros altos. E aí, em 2020, veio a pandemia. Durante esse período, você teve um empobrecimento da população que não foi acompanhado de um processo de barateamento da moradia e com isso muitaspessoas foram despejadas.”
O secretário também considera que problemas psicológicos causados pela pandemia encaminharam muitas pessoas para a situação de rua e também para o uso das drogas e álcool.
“Evidentemente que quando você está desempregado a vida fica mais difícil. Alguns perderam entes queridos e também houve um uso abusivo de álcool e outras drogas, o que faz com que as pessoas acabem nas ruas.”
De acordo com dados do Centro POP (Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua) de Niterói, de 2020 – ano em que começou a pandemia – para 2023, houve um aumento de 66% das PSR cadastradas no Cadastro Único, registro responsável por registrar pessoas e famílias de baixa renda.
Para Teixeira, a cidade de Niterói tem fatores que atraem as pessoas que buscam os serviços da cidade e oportunidades de emprego.
“Niterói é uma cidade que tem um IDH e uma renda per capita muito alta, é a maior renda per capita do estado do Rio de Janeiro. E isso faz com que você tenha um processo de imigração das pessoas que estão em situação de pobreza para a cidade, a fim de acessar os serviços, mas também para praticar o seu ganho de vida”, disse.
Segundo ele, no ano de 2022, 65% das pessoas atendidas pelo centro POP eram de outras cidades, como São Gonçalo, Itaboraí e Rio de Janeiro. “As pessoas em situação de rua vão onde tem renda”, pontuou.
O centro POP serve para amparar pessoas em vulnerabilidade social e oferece uma série de serviços, como retirada de documentos, contato familiar, acompanhamento individualizado com assistente social e com psicólogo, encaminhamento para serviços de saúde, ida para os abrigos ou hotéis pernoite, distribuição de refeições e oficinas.
Outro serviço oferecido é a abordagem social nas ruas, que funciona 24 horas por dia, com equipes noturnas e diurnas. Durante essa abordagem, as equipes fazem uma triagem do que a pessoa está precisando e encaminha para os serviços do Centro.
Segundo o coordenador do Centro POP, Luiz Eduardo Godoy, nenhum acolhimento é compulsório. Ou seja, a pessoa que está em situação de rua não pode ser obrigada a ser acolhida. E o intuito da abordagem é também poder criar vínculos com essas pessoas.
Renata Zanelato, uma das responsáveis técnicas da abordagem social, afirma que a abordagem precisa ser feita de uma forma bem consciente. “Ela precisa ser feita de uma forma muito respeitosa, entendendo o outro enquanto sujeito, independente da situação onde ele esteja, e como ele se encontra na verdade. Esse é um diferencial até mesmo para a gente entender as demandas e orientar e encaminhar”, concluiu.
A equipe de abordagem conta com a presença de um assistente social ou psicólogo e três educadores sociais de abordagem. A média mensal de abordagens em 2022 foi de 455,3 e em 2023 o número aumentou para 731.
A vida nas ruas
De acordo com um levantamento feito pela Universidade Federal Fluminense, com apoio da Prefeitura de Niterói, em que foram entrevistadas 157 pessoas em situação de rua, as três principais causas, respectivamente, que levaram esses indivíduos a estarem em situação de rua foram: os conflitos familiares, o desemprego e o uso abusivo de álcool e outras drogas. Setenta e sete por cento dos entrevistados eram do sexo masculino, 86% se consideravam negros e todos estavam na faixa etária entre os 40 e os 49 anos.
“Cada pessoa que está na rua, está por uma razão distinta da outra, cada pessoa que está ali tem a sua história, tem a sua vivência e tem a sua realidade. Então, para isso, a gente precisa ter um plano individualizado de atendimento”, afirmou o Secretário da Assistência Social, Elton Teixeira.
Rafael Monteiro, 38, mora nas ruas há um ano por falta de condições financeiras e reconhece a importância do Centro POP em sua vida. “Se não fosse pela ajuda do Centro POP, eu ficaria sem direção. Aqui é o lugar que ajuda quem quer ser ajudado”, disse Rafael.
Atualmente, ele trabalha nas ruas vendendo doces e com reciclagem, mas está tentando receber o benefício do Bolsa Família para poder conseguir mudar a sua realidade.
Gian Araujo, 32, que também usufrui da ajuda do Centro POP, conta que morava no Recreio (RJ) em uma casa alugada, mas devido à dependência química não conseguiu se manter e voltou para as ruas. Mas expressa o desejo de mudar de vida.
“Eu quero realmente largar os vícios de vez, eu quero poder trabalhar e estudar”, planeja. Atualmente sua única renda é o Auxílio Brasil.
É válido ressaltar que nem todas as pessoas que estão em situação de rua estão por conta da drogadição, mas sim por outros fatores, como mostra a pesquisa feita pela UFF, que aponta os conflitos familiares como a principal causa do problema.
Internação Compulsória
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), anunciou nas suas redes sociais que pediu ao secretário municipal de saúde, Daniel Soranz, a elaboração da medida de internação compulsória de usuários de drogas nas ruas da cidade.
Essa medida já foi empregada por Paes durante sua primeira gestão (2009-2012), mas foi suspensa após críticas de especialistas e a ação do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). O secretário da Saúde afirmou que a ideia é que as internações sejam realizadas por um curto tempo, para assim iniciar o tratamento de pacientes em situação grave.
Para o secretário de Assistência Social de Niterói, a internação compulsória não é uma medida viável e sim uma proposta simples para resolver um problema complexo.
“Nós precisamos de um tratamento, que na minha opinião, não é a internação compulsória que vai resolver. A pessoa precisa ter aderência a aquele serviço e o Estado brasileiro precisa ofertar políticas públicas, precisa ter equipamentos sociais”, analisa.
Para ele, as pessoas em situação de rua precisam ter a oportunidade e o apoio de sair do vício para recomeçarem suas vidas. “Eu acho que é uma medida inócua e que é um retrocesso a partir de uma série de avanços que a gente teve”, finalizou Elton Teixeira.