Após consulta pública, texto que prevê as novas mudanças está em andamento na Câmara dos Deputados
Por Sara Rosário
O Novo Ensino Médio, implementado em 2022, promoveu alterações no nível médio brasileiro, como o aumento da carga horária, modificações na grade curricular e a criação de itinerários formativos. Com essas mudanças, o novo modelo escancarou uma antiga questão da escolaridade brasileira: as diferenças e desigualdades entre o ensino público e o privado.
Profissionais que se posicionam contra esse novo modelo alegam que muitas escolas públicas não possuem equipamentos, tecnologias e uma equipe preparada para acolher os alunos com essas mudanças. Enquanto isso, escolas da rede privada teriam mais recursos para preparar a equipe pedagógica e os materiais necessários para se adequarem às mudanças. De acordo com o Censo Escolar de 2022, 6,89 milhões de estudantes cursavam o ensino médio em escolas públicas e cerca de 1 milhão em escolas privadas.
A perspectiva dos professores sobre o Novo Ensino Médio
Carlos Douglas Martins Pinheiro Filho, professor formado em Sociologia, trabalha em escolas públicas e particulares e notou significativamente as diferenças entre as escolas na adaptação ao novo modelo.
“O NEM [Novo Ensino Médio] conseguiu ampliar a desigualdade existente entre as escolas públicas e as privadas, pois o modelo priva os estudantes das escolas públicas de boa parte dos conteúdos necessários para execução das provas de ingresso para as universidades e concursos públicos. Por outro lado, as escolas privadas não abriram mão desses conteúdos, adaptando os programas tradicionais ao novo formato, tornando o ensino praticamente inalterado, com exceção da adoção da disciplina projeto de vida”, disse o professor.
Patrícia Fagundes Pereira, professora de inglês em duas escolas da rede pública, ressaltou que as mudanças no ensino médio desfavorecem muito mais os alunos mais pobres. Além da falta de estrutura e verba para ofertarem todos os itinerários formativos, muitas disciplinas básicas deixam de ser obrigatórias nas escolas públicas, fazendo com que os estudantes não construam uma boa base para ingressarem na universidade. “Nas escolas particulares, os alunos costumam ter aulas no contra turno para dar contas de todas as disciplinas, sem serem prejudicados. […] A desigualdade é muito grande. Os alunos das escolas públicas ficam visivelmente prejudicados.”
Após diversas críticas e manifestações, o Ministério da Educação abriu uma consulta pública sobre o tema, na qual ouviu estudantes e professores. As mais de 150 mil respostas obtidas por meio de audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas nacionais foram utilizadas para guiar o Projeto de Lei que tem como objetivo reformular a Política Nacional de Ensino Médio.
Quando o PL foi divulgado, profissionais e movimentos estudantis perceberam uma melhora, mas ainda pequena, visto o tamanho do impacto que o novo ensino médio tem na sociedade. “Ele ainda irá continuar no ano de 2024. Com algumas pequenas mudanças, mas vai continuar. Sendo que todo mundo tava esperando que ele fosse revogado”, disse Patrícia.
O professor Carlos Douglas considera que o andamento do projeto deve ser acompanhado para que não aconteça de ser alterado e modificado pelo interesse privado e de governadores que veem a educação como gasto, não como investimento. “A pressão dos interesses privados também pode impedir que as mudanças ocorram, mantendo a precarização do ensino público e a ampliação da desigualdade deste com relação ao ensino privado.”
Agora, o texto que prevê as novas mudanças está em andamento na Câmara dos Deputados e estudantes, escolas e professores aguardam para saber como serão os próximos passos.
O que é o Novo Ensino Médio
A proposta do novo modelo de ensino foi sancionada em 2017 e passou a ser aplicada nas escolas públicas e privadas do Brasil somente em 2022. As mudanças que se destacaram no projeto eram:
– A criação de itinerários formativos. Trilhas de aprendizado que os estudantes poderiam escolher de acordo com sua área de interesse;
– Ampliação de 2.400 para 3.000 horas totais do Ensino Médio;
– Alteração na Base Nacional Comum Curricular;
– Inserção da disciplina Projeto de Vida;
Com essas alterações durante os três anos de ensino, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), principal porta de entrada nas universidades, também sofreria mudanças para se adequar ao novo modelo, que teria mais uma prova com questões do itinerário formativo referente ao curso que o estudante desejasse cursar na graduação.
Uma das críticas ao modelo era a de que visava apenas à formação profissional dos estudantes, precarizando o nível médio. Com movimentações e críticas de entidades estudantis e de docentes, o governo federal e o Ministério da Educação suspenderam o cronograma de implementação que deveria ocorrer até 2024 e, em outubro de 2023, propuseram um Projeto de Lei que visava ajustar alguns pontos do modelo de ensino.